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Direito eletrônico, direitos da personalidade, liberdade e privacidade na internet

Conteúdo organizado por Renato Cividini Matthiesen em 2023 do livro Direito e Inteligência Artificial: O Que os Algoritmos Tem a Ensinar Sobre Interpretação, Valores e Justiça, publicado em 2023 por Hugo de Brito Machado Segundo.

Direito eletrônico, direitos da personalidade, liberdade e privacidade na internet

Objetivos de Aprendizagem

Introdução

Não é uma definição ruim do homem descrevê-lo como um animal fabricante de ferramentas. Seus primeiros aparatos para dar suporte à vida não civilizada foram ferramentas da construção mais simples e rude. Suas mais recentes realizações na substituição de maquinaria, não apenas para a habilidade da mão humana, mas para o alívio da inteligência humana, estão fundamentados no uso de ferramentas de uma ordem ainda mais elevada".
Charles Babbage, citado em Kurzweil (2007, p. 25)

Ao observar a funcionalidade de toda a sociedade deste século XXI, pode-se perceber que ela vive em um novo ambiente, resultado de uma integração da microeletrônica dos computadores pessoais e dispositivos móveis de computação e comunicação, imersos em sistemas distribuídos que operacionalizam e gerenciam praticamente todas as atividades profissionais e sociais e modelos híbridos sociais onde as operações são realizadas em uma constante integração de atividades analógicas (fazendo alusão as rotinas não mecanizadas, mecanizadas) e àquelas automatizadas por sistemas computacionais. Conforme nos mostra Kurzweil (2018) e Castells (2003) dentre outros pensadores da transformação digital e da revolução tecnológica, o ser humano aprendeu a ser amplificado pelo poder das máquinas que o auxiliam a melhorar suas performances em atividades de pesquisa, análise, produção e criação. Lembremo-nos que Leonhard (2018) chama o ser humano moderno de “humano aumentado”, quando acompanhado e suportado por dispositivos microeletrônicos conectados em rede e oferecendo um ambiente para busca e uso de dados. E, Lee e Qiufan (2022) nos chamam a atenção para com o uso adequado, ético e socialmente responsável destes novos sistemas dirigidos pela Inteligência Artificial no contexto deste novo mundo em que estamos construindo.

Para seguirmos com nossos estudos sobre direitos humanos e privacidade no contexto moderno de sistemas de informação, tecnologia, Internet e Inteligência Artificial como recursos operacionais e gerenciais de atividades em todas as áreas do conhecimento, convido o leitor a refletir um pouco mais sobre o posicionamento teórico do Direito Eletrônico, sobre o Direito da personalidade na Internet e também sobre liberdade de expressão e privacidade na Internet.

Posicionamento teórico do Direito Eletrônico

Ao iniciar uma reflexão sobre o posicionamento teórico do Direito Eletrônico, é necessário se fazer observar dois aspectos evolutivos da Internet em um breve passado. Um deles foi a popularização da WWW (World Wide Web) através de uma proposta de sistema baseado em ambientes gráficos e hipertextos para troca e consulta de conteúdo na já existente estrutura das redes de computadores que formavam a Internet nos anos 1980. Graças ao surgimento de sistemas e software que ofereciam um ambiente gráfico para manipular interfaces, houve maior facilidade de comunicação de dados pela Internet. De forma complementar, houve o surgimento dos provedores de acesso à Internet, ou seja, empresas privadas que possibilitavam o acesso ao público em geral à Internet, até então (anos 1990), possível apenas em centros de pesquisas ou universidades conectadas.

O Direito chamado de comum, praticado desde tempos medievais não seria então suficiente para resolver problemas considerados tradicionais dentro de um novo contexto de troca de informações e trabalho dentro de um ambiente agora digital. Houve então a necessidade de um ramo jurídico específico que considerasse o ambiente computacional e a estrutura em rede como ambiente profissional e social. Neste contexto, surgem os termos de Direito Eletrônico, Direito Digital ou Direito Virtual.

Em linha com Pinheiro (2016, p. 77), “o Direito eletrônico ou Direito Digital consiste na evolução da própria ciência jurídica, abrangendo todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico em todas as suas áreas”.

O Direito Eletrônico pode ser classificado como um ramo autônomo do Direito, considerando a produção acadêmica sobre o tema. Este direito relaciona-se também com outros ramos do Direito. Perceba, caro leitor, que a onipresença da tecnologia e dos sistemas de informação demarcam a característica própria do Direito Eletrônico dentro de uma multidisciplinaridade, suportada pela influência dos diversos ramos jurídicos na formação de um ramo especial do Direito. O surgimento e a consolidação do Direito Eletrônico coincidem com a própria consolidação e popularização da Internet defendida por Castells (2003). A Internet fora já considerada como “o maior sistema de engenharia já criado pela humanidade”, por Kurose e Ross (2013), e, independente do exagero ou não desta definição, ela foi a infraestrutura responsável por diversas novas situações, às quais os operadores do Direito não estavam acostumados, e cuja resolução demandava conhecimentos específicos e técnicos a respeito da própria funcionalidade da rede mundial de computadores.

Veja a seguir alguns ramos do Direito e sua relação com o Direito Eletrônico apresentados por Gomes (2017):

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Em uma sociedade de risco, qualquer instituição que lida com um indivíduo coleta informações desse indivíduo e sobre as suas atividades. (...) A sociedade de risco requer a vigilância como forma de gerenciar o risco. Mas a vigilância gera uma insaciável sede de mais e mais informações sobre riscos que existem e que são gerados pelos indivíduos em particular. O conhecimento gerado pelo sistema de vigilância não gera uma sensação de segurança e de confiança, mas produz, ao invés, novas incertezas, acarretando mais vigilância e coleta de informações”.
Mendes (2014, p. p. 90)

Direito da personalidade na Internet

Os direitos de personalidade são os direitos que cada pessoa possui ao defender o que lhe é próprio, como por exemplo, a vida, a liberdade (liberdade de informação, liberdade de expressão, liberdade de pensamento), privacidade (inclui-se aqui a proteção de dados pessoais em conformidade com a Lei 13.709 de 2018 – LGPD), honra, opção sexual, integridade, imagem, e, conforme reza Pereira (2007), valendo-se de ação judicial em caso de eventual ofensa e violação.

Ao se tratar de direitos da personalidade, cabe também observar que não se constitui apenas um direito, sendo equivocada afirmações no sentido de que o homem tem “direito à personalidade”, e sim a um conjunto de direitos. Considere que a Constituição Federal Brasileira de 1988 declarou que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano moral ou material decorrente de sua violação, assegurados estes termos pelo art 5º, X.

De forma geral, os direitos da personalidade envolvem direito à vida, à liberdade, ao próprio corpo, à incolumidade física, à proteção da intimidade, à integridade moral, à preservação da própria imagem, nome, às obras de criação do indivíduo e tudo mais que seja digno de proteção, amparo e defesa na ordem jurídica, relembra Pereira (2007).

Amparados pelo conjunto de leis brasileiras, uma vez que um usuário de Internet pratica atos cotidianos por meio de computadores conectados à Internet, é compreensível que exista a ampliação da projeção da personalidade de quem executa ações determinadas em ambientes digitais, haja vista não se limitarem apenas ao ambiente considerado físico, mas utilizando-se de recursos eletrônicos como computadores, tablets e smartfones como ambiente de comunicação e atuação. Considerando o cenário de garantias estabelecidas no ordenamento jurídico, pode-se identificar funcionalidades que as aplicações de Internet devem possuir para estar em conformidade com a legislação, buscando preservação dos direitos dos usuários pelo respeito ao desenvolvimento da personalidade e exercício de cidadania em meios digitais, já fundamentados e amparados pelo marco Civil da Internet.

De forma a concluir este breve raciocínio sobre o direito da personalidade na internet, Gomes (2017) nos lembra que os direitos da personalidade previstos no ordenamento jurídico, não foram esquecidos pelo legislador quanto à regulação do espaço virtual. O Marco Civil da Internet colocou em destaque seus princípios como intimidade e proteção de dados pessoais, assim como a própria liberdade de expressão.

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Ao analisar as tecnologias que estão sendo utilizadas na atualidade e tem potencial de grande crescimento nos próximos anos, Leonhard (2018) sugere um conjunto de questões para interpelar seu uso e sua gestão:

  • Irá esta tecnologia diminuir a humanidade, voluntária ou involuntariamente?
  • Irá esta tecnologia promover a verdadeira felicidade humana?
  • Terá esta tecnologia efeitos colaterais involuntários e potencialmente desastrosos?
  • Assumirá esta tecnologia muito o poder em si mesma, ou dá-lo-á aos algoritmos, aos bots e às máquinas?
  • A tecnologia dar-nos-á a possibilidade de a ultrapassar, de ir para além dela, ou tornar-nos-á dependentes?
  • Precisarão os seres humanos de ser materialmente alterados ou aumentados para usar essa tecnologia?
  • Estará esta tecnologia facilmente disponível ou será exclusiva?

Liberdade de expressão e privacidade na Internet

Antecipo a reflexão deste tema trazendo um questionamento sobre o momento atual oportunizado novamente pela computação pessoal, Internet e explorando agora o tema também das redes sociais. Estamos em um momento de melhor liberdade de expressão e melhor privacidade? O termo melhor é dito de forma providencial.

Para responder a esta questão, vejamos algumas questões relacionadas ao estabelecimento de normas para utilização de informações pessoais, entendida como um espectro da privacidade. Considere que a partir dos anos 1970, a preocupação com a privacidade foi incrementada considerando o avanço tecnológico. Algumas normativas em diferentes países como a França e a Alemanha comungavam de alguns princípios e técnicas comuns até hoje em grande parte das legislações. Vejamos o que se comunga sobre os princípios gerais no contexto de liberdade de expressão e privacidade.

Esses princípios formam uma coluna central de diversas leis, convenções ou acordos acerca da proteção de dados pessoais, o que fora relativamente bem implementado na Lei Geral de Proteção de Dados pessoais, LGPD ou Lei 13.709 de 2018.

O contexto de liberdade de expressão e privacidade na Internet é um tema abrangente, objeto de discussão em praticamente todos os capítulos e seções deste material. Aqui estamos observando aspectos relacionados ao direito, ao direto eletrônico, à inteligência artificial utilizada em sistemas de comunicação e redes sociais, a inteligência artificial utilizada nos sistemas de coleta e tratamento de dados junto aos sistemas de análise de dados (Analytics) e inteligência em negócios (Business Intelligence), em sistemas de mineração de dados, mineração de texto, mineração na web, todos envolvidos com um novo momento onde a vida real e a vida virtualizada se misturam em um novo contexto de dados chamado de Big data.

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Assista o filme: Snowden: herói ou traidor (2016), dirigido por Oliver Stone. O filme conta a história de um ex-funcionário da Agência de Segurança dos EUA que se torna inimigo da nação ao divulgar a jornalistas documentos sigilosos sobre atos de espionagem praticados pelo governo.

Trailer disponível. Link: <https://bit.ly/3GGErj0>. Acesso em: 21 fev. 2023.

Em resumo

Nesta aula, vimos que o Direito chamado de comum, praticado desde tempos medievais não seria então suficiente para resolver problemas considerados tradicionais dentro de um novo contexto de troca de informações e trabalho dentro de um ambiente agora digital. Houve então a necessidade de um ramo jurídico específico que considerasse o ambiente computacional e a estrutura em rede como ambiente profissional e social. Neste contexto, surgem os termos de Direito Eletrônico, Direito Digital ou Direito Virtual. O Direito eletrônico ou Direito Digital consiste na evolução da própria ciência jurídica, abrangendo todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico em todas as suas áreas. Vimos alguns ramos do Direito com sua relação ao Direito Eletrônico: Direito Civil: estudo da responsabilidade civil por atos ilícitos através do meio eletrônico; Direito Penal: criminalização de condutas praticadas por meio eletrônico; Direito Processual: questão da produção de prova a partir do meio eletrônico e Direito Constitucional: embate entre o direito à privacidade e o direito à liberdade de expressão. Vimos também que há uma comunhão dos princípios gerais de liberdade de expressão e privacidade ao Direito Eletrônico refletindo em: princípio da transparência, princípio do livre acesso; princípio da qualidade; princípio da proporcionalidade; princípio da necessidade; princípio da finalidade e princípio da segurança física e lógica.

na ponta da língua

Referências
Bibliográficas

Castells, Manuel (2003). A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar.

Gomes, Frederico Félix. (2017). Direito eletrônico. Londrina, PR: Editora e Distribuidora Educacional SA.

Kurose, J. F.; Ross, K. W. (2013). Redes de computadores e a internet: uma abordagem top-down. 6. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil.

Kurzweil, Ray. (2007). A Era das máquinas espirituais. São Paulo: Aleph.

Kurzweil, Ray. (2018). A singularidade está próxima: quando os humanos transcendem a biologia. São Paulo: Itaú Cultural – Iluminuras.

Lee, Kai-Fu; Qiufan, Chen (2022). 2041: como a inteligência artificial vai mudar sua vida nas próximas décadas. 1. ed. Rio de Janeiro: Globo Livros.

Leonhard, Gerd. (2018). Tecnologia versus Humanidade: o confronto entre a máquina e o homem. Lisboa: Gradiva Publicações.

Mendes, Laura, Schertel. (2014). Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor: linhas gerais de um novo direito. São Paulo: Saraiva, 2014.

Pereira, Caio Mário da Silva. (2007). Instituições de Direito Civil: introdução ao direito civil – Teoria Geral de Direito Civil – v. 1, 29 ed.

Pinheiro, Patrícia Peck. (2016). Direito Digital. 6. ed. São Paulo: Saraiva.

questões

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Direito eletrônico, direitos da personalidade, liberdade e privacidade na internet

Livro de Referência:

Direito e Inteligência Artificial: O Que os Algoritmos Tem a Ensinar Sobre Interpretação, Valores e Justiça

Hugo de Brito Machado Segundo

Editora Foco, 1ª Ed - 2023.

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